A REVISTA VEJA E OS GOVERNOS MILITARES (1968-85)
Juliana Gazzotti
Sociologia Política, Universidade Federal de São Carlos (Brasil)
 

 
ÍNDICE

A REVISTA VEJA E OS GOVERNO MILITARES (1968-85)

1968-72: UM PERÍODO DE TENSÕES

Veja e o recrudescimento do regime militar 

Veja e o pós-AI-5

A oposição armada ao regime militar 

A sucessão de Costa e Silva

A luta armada e a tortura no governo Médici

1973-74: UM PERÍODO DE ESPERANÇAS
A revista Veja e o processo de abertura política 

A sucessão de Médici 

Veja e a oposição

1977-79: UM PERÍODO DE EXPECTATIVAS FRENTE - À ABERTURA POLÍTICA
Veja e a redemocratização 

A sucessão de Geisel 

A oposição

1983-85: O PERÍODO FINAL DO REGIME MILITAR
Veja e as perspectivas finais de redemocratização 

A campanha pelas "Diretas-já" 

A sucessão de Figueiredo 

A vitória oposicionista

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 


 
 
A REVISTA VEJA E OS GOVERNOS MILITARES (1968-85)(1)

A análise das relações entre imprensa e poder constitui uma lacuna na Ciência Política brasileira. Se pensarmos especificamente no recente período de ditadura militar - quando foram bastante tensas as relações entre o regime e certos órgãos de imprensa - apenas alguns grandes jornais, além de periódicos da chamada "imprensa alternativa" mereceram até aqui trabalhos específicos. Neste texto, cujo foco de atenção é a "grande imprensa", esta é definida como o conjunto dos jornais e revistas ligados a grandes empresas, aqueles que podem "exercer um papel de esclarecimento da sociedade, porém só até o limite dos interesses de seus proprietários, vinculados à manutenção de um complexo econômico, político e institucional."(2)

Esses periódicos se distinguiriam, assim, dos pequenos jornais - alguns deles, inclusive, de grande circulação por algum tempo - que constituíram a chamada "imprensa alternativa", que pode ser definida como os órgãos "de combate político-ideológico à ditadura".(3)

É preciso admitir que foi irregular e instável o caminho das relações entre certos órgãos de imprensa e os sucessivos governos militares. Por isso, chamou nossa atenção que a revista Veja não tivesse conquistado até aqui a atenção que merecia por sua posição de principal semanário brasileiro e como exemplo da transformação de nossa imprensa, com recurso a elementos visuais importados de exemplos americanos. Veja surgiu em setembro de 1968, como órgão da Editora Abril, dirigida pelo jornalista Mino Carta, um dos principais operadores da modernização da imprensa com base em veículos formalmente avançados e voltados para uma nova classe média.

Nosso objetivo foi desvendar as relações entre a revista Veja e o regime militar no período de 1968 a 1985. Nesse sentido, a análise das matérias do semanário foi importante para esclarecer sua posição frente a alguns assuntos políticos selecionados: priorizou-se o comportamento de Veja diante das sucessões presidenciais, que sempre provocavam crises internas e diante das oposições ao regime, que contestavam a forma de governo instaurada com o Golpe de 1964.

A hipótese sugerida é que Veja manteve-se coerente politicamente na defesa da redemocratização durante os diferentes governos militares. Com isso, podemos indagar: a revista defendia uma abertura política conservadora, ou seja, deveria ser realizada pelos membros do governo para que a ordem fosse mantida? Ou defendia a participação da população neste processo? Como Veja enfrentou este dilema?

Por isso, foram selecionados os períodos cronológicos que antecederam as "eleições" presidenciais. Nestas fases, também foram analisadas as oposições ao regime militar. A única exceção a este corte foi a análise da luta armada, pois este tema permaneceu importante mesmo depois da escolha do general Médici para substituir o presidente Costa e Silva.

Desta maneira, priorizaram-se os momentos do regime militar marcados em geral por crises internas e, a partir deles, analisamos como Veja lidava com estas situações. Observamos, assim, de que maneira o semanário mostrava o seu pensamento.
 
 

1968-72: UM PERÍODO DE TENSÕES

O primeiro ano de existência de Veja - setembro de 1968 a setembro de 1969 - foi marcado por importantes acontecimentos na história brasileira. Este foi um período conturbado, em que o país presenciou a edição de um Ato Institucional (o AI-5), responsável pelo recesso do Congresso e pela eliminação das garantias institucionais democráticas ainda vigentes. Também intensificaram-se a censura e a repressão a qualquer tipo de oposição ao regime militar, sendo reprimidas a liberdade de expressão de pensamento e as manifestações da sociedade civil contrárias ao governo.

Neste período inicial, os principais temas políticos destacados por Veja foram: o AI-5, a reforma constitucional, a oposição armada ao regime militar e a sucessão do general Costa e Silva. Nesta fase, interessa-nos saber como a revista interpretou a implantação de medidas coercitivas e como portou-se diante da substituição militar para a presidência do país. Além disso, focalizaremos a questão da reforma constitucional em 1969. E finalmente, a posição de Veja em relação a oposição armada ao governo ditatorial.

Veja e o recrudescimento do regime militar

Durante o processo sucessório do general Costa e Silva havia uma conjuntura de crise política, com diferentes grupos militares lutando pelo poder. Desta maneira, interessa-nos saber qual a posição de Veja diante destes acontecimentos.

No período de setembro de 1968 até o final de outubro de 1969, quando o general Garrastazu Médici foi escolhido presidente, a revista destacou dois processos: a escalada das ações armadas da esquerda, e a esperança de retorno às instituições democráticas representada pela atuação dos liberais (simbolizados na figura do vice-presidente Pedro Aleixo) na proposta de reforma constitucional. Com isso, interessa-nos saber se Veja foi ou não favorável à reforma constitucional enquanto um meio para a abertura do regime; além de constatar se o semanário apoiou ou não o aumento da repressão às atividades ditas "subversivas" temendo um fechamento maior do regime.

Além disso, depois do processo sucessório, um tema que permaneceu na revista foi a questão da luta armada a das torturas aos presos políticos. Aqui, interessa saber se ela posicionou-se ou podia posicionar-se contrariamente ao regime na questão das torturas e se manteve sua posição durante todo o governo repressor do general Médici. E também como portou-se frente à questão da luta armada depois das denúncias de torturas.

Veja e o pós-AI-5

Veja (vol. 15, 18/12/68) informou que a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) foi uma censura ao partido do governo:
 

"Na decretação do recesso do Congresso por tempo indeterminado está o sinal mais evidente de uma nova fase em que a Revolução se reinicia sem a classe política."

O título desta matéria era bastante sugestivo: "Revolução, ano zero", mostrando como, a partir de 13 de dezembro de 1968, iniciou-se um período que se diferenciava do anterior em que ainda era possível "manter a legitimidade", mesmo com o AI-1 e o AI-2. Era o chamado "golpe dentro do golpe" que aumentava os poderes do Executivo e deixava totalmente de escanteio a "classe política".

Veja realizou uma crítica sutil ao processo de fechamento do regime causado pelo AI-5, pois este deixaria de lado a participação da classe política, dando plenos poderes ao Executivo.

Uma outra questão destacada por Veja, no imediato pós-AI-5, foi a reforma constitucional que seria chefiada pelo vice-presidente, Pedro Aleixo.

Já no título, a primeira matéria sobre este assunto apontava para tempos melhores: "Os sinais da primavera" (vol.37, 21/05/69). Seriam os sinais, para a revista, de que os rumos políticos do país poderiam mudar. Observamos, aqui, a utilização da linguagem metafórica para expressar o desejo do semanário.

Veja (vol. 51, 27/08/69) informou que, depois de três meses como coordenador da reforma Constitucional, as posições mais importantes defendidas por Pedro Aleixo foram pouco a pouco superadas. Assim, na redação final não foram aceitas por Costa e Silva: as eleições diretas nos Estados, a transferência para o futuro Congresso da missão de eleger o próximo presidente da República, o restabelecimento da "habeas corpus" para crimes políticos.
 

"Mas tudo indica que o objetivo fundamental de Pedro Aleixo, na reforma da Constituição, está fora do texto constitucional: é a reabertura do Congresso, que poderá, mais tarde, emendar a mesma Constituição que agora surge impondo ao Congresso severas restrições. A motivação principal desse objetivo é a certeza de que o Congresso funcionando amplia as perspectivas democráticas e permite esperar que novas aberturas venham a surgir."

Ao acompanharmos esta breve exposição sobre o que Veja publicou em relação à reforma constitucional, podemos perceber como a revista tinha grandes esperanças no restabelecimento das instituições democráticas, na reabertura do Congresso e até mesmo numa reabertura política. A publicação das matérias sobre a reforma constitucional indica que Veja acreditava na curta duração do AI-5 que a prejudicava, principalmente em relação à censura. O semanário acreditava na volta do funcionamento do Congresso que havia entrado em recesso com o AI-5 e, posteriormente, na condução da abertura política pelo presidente Costa e Silva. Com isso, esperava, voltaria a importância dos civis no cenário político e estes poderiam concorrer à sucessão presidencial que se realizaria em 1970. A partir daí, voltariam ao funcionamento normal as instituições democráticas. Por isso, o semanário assumiu e incentivou o "clima de abertura" e, desta maneira, destacava a reforma constitucional como necessária para esse processo, atribuindo uma importância maior para este episódio do que ele realmente teve.

A oposição armada ao regime militar

Veja destacou as reportagens sobre o aumento do "terrorismo" praticado pelos grupos de esquerda clandestinos. No dia 20/11/1968 (vol.11), trouxe uma matéria sobre a caça aos subversivos. A revista apontou que "os assaltos a bancos renderam um bom dinheiro para os bandidos" e destacou Carlos Marighella como o "líder mais importante das pouco importantes esquerdas clandestinas, a ponto de todos os policiais federais e estaduais estarem a sua procura".

Na edição de 21 de maio de 1969 (vol. 37), o semanário realizou uma reportagem especial sobre Carlos Lamarca com um título ilustrativo: "Ele assalta em nome do terror." Segundo a revista, "o ex-capitão de Infantaria, Carlos Lamarca, um homem nervoso e frio, conhecido como "João" pelos companheiros de terrorismo, trocou a farda pela subversão." Conforme Veja, Lamarca era membro de uma organização, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que se preparava para a luta armada e o seu papel, dentro deste grupo, era o de liderar ações para obter dinheiro e armamentos.

É importante destacar que Veja usou palavras como assalto, bandido, subversivo e terror. Estes termos pejorativos indicam que as atividades oposicionistas realizadas por organizações de esquerda eram tratadas pela revista como atividades terroristas e associadas ao banditismo. Desta maneira, como veremos posteriormente, Veja preocupava-se com o fortalecimento da esquerda e temia que suas atividades "subversivas" provocassem o fortalecimento também da extrema direita e um fechamento cada vez maior do regime. No entanto, é importante destacar que o uso de palavras como "subversivo" e "terrorismo" era permitido pelo governo militar e, por isto, as matérias com o uso destas palavras eram mais facilmente aceitas pelos censores para serem publicadas. O objetivo do governo era passar para a população uma imagem de que a oposição ao regime identificava-se com terroristas e bandidos. Assim, o semanário defendia o controle das organizações de esquerda para evitar o fortalecimento no governo dos grupos ligados à repressão.

Neste sentido, aparece aqui, uma questão-chave para a análise: em relação à luta armada, a voz de Veja era a voz do governo. Como podemos perceber, pelas matérias citadas, a revista obtinha informações que provavelmente eram fornecidas por alguém influente dentro da comunidade de informações. Como exemplo, temos informações sobre a VPR, Carlos Lamarca e Carlos Marighella. Tudo indica que Veja identificava-se com o regime militar nesta questão e obtinha dados governamentais para criticar as organizações de esquerda.

Assim, a revista nitidamente criticava as organizações de esquerda que apontavam para a luta armada e defendiam a implantação do socialismo no Brasil. Ela defendia uma forma de protesto pacífica que não perturbasse a segurança do país e a ordem vigente. Veja acreditava que, se não houvesse reações extremistas em relação ao regime militar, isto facilitaria a abertura política almejada por ela. Desta maneira, o período iniciado após o AI-5 não agradou à Veja nesta questão da permanência e do recrudescimento da ditadura, pois pregava a volta às instituições democráticas e, devido à reforma constitucional, teve esperanças em relação à abertura política. Por isto, a posição de Veja era defendida com todo cuidado, para não prejudicar o andamento daquilo que ela desejava ser a abertura política e não acirrar os ânimos do grupo que defendia o aumento da militarização. Ela incentivava os seus leitores a realizarem uma oposição pacífica e contida para que os rumos políticos não piorassem.

A sucessão de Costa e Silva

Em 03/09/69, Veja (vol.52) anunciou a doença do presidente Costa e Silva e, por isso, "a nova Constituição do país e a reabertura do Congresso foram adiadas." Os ministros militares informaram que a situação do Brasil impedia a transferência do poder para o vice-presidente da República, Pedro Aleixo, como previa a Constituição de 1967 em vigor.

A partir daí, o assunto mais comentado pela publicação passou a ser a sucessão do presidente enfermo, depois do diagnóstico de um médico estrangeiro afirmando que Costa e Silva não tinha mais condições de reassumir o seu posto. Conforme Veja (17/09/69, vol.54), desde o AI-12, começaram a surgir rumores sobre a sucessão de Costa e Silva.(4)

Os nomes mais cotados foram apresentados por Veja: chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Orlando Geisel; chefe do Estado-Maior do Exército, Antônio Carlos da Silva Muricy; comandante do Primeiro Exército, Syzeno Sarmento; comandante do Terceiro Exército e ex-chefe do SNI, Garastazu Médici; ministro do Exército, Lyra Tavares e o general Albuquerque Lima. A revista levantou algumas questões: que papel teria o Congresso na indicação e no governo do novo presidente, quanto tempo duraria seu mandato e o país teria ou não uma nova Constituição?

Na edição de 24/09/69 (vol.55), com o título: "A Revolução dentro da Revolução", Veja dizia que a nação esperava a todo instante um novo presidente e a convocação do Congresso para referendá-lo. Segundo a revista, para os políticos havia pouca ou nenhuma participação e eles estavam de férias forçadas e longas. Com as primeiras reuniões dos Altos Comandos militares realizadas nos ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, a "solução civil" mostrou ser de vida curta e inglória (a resolução já era óbvia desde que os ministros militares não julgaram oportuna a posse do vice-presidente civil Pedro Aleixo).

A seguir (01/10/69, vol.56) Veja mostrou que "para acertar todos os detalhes dentro dos objetivos comuns, em busca da unidade, generais e oficiais das demais patentes reuniram-se e falaram em duas pessoas: general-de-Exército Emílio Garrastazu Médici e general-de-Divisão Afonso Albuquerque Lima." De acordo com a revista, saíram boatos sobre as listas com os resultados das consultas realizadas a todas as altas patentes das Forças Armadas. "Fontes bem informadas" apresentavam os números da pesquisa: o Exército iria indicar o general Médici que teria obtido mais de 60% do apoio de seus 118 generais. Nas listas apareciam em seguida os nomes dos generais Orlando Geisel e Albuquerque Lima.(5)

Conforme o semanário, o general Médici, racionalizando a administração, procuraria facilitar a execução de um programa igual ao do presidente Costa e Silva. Já Albuquerque Lima possuía um programa dentro da Revolução, quase radical.

Finalmente, foi anunciada a "eleição" para a presidência do general Médici e para a vice-presidência do almirante Augusto Rademaker na edição 60 (29/10/69); eles receberam 293 votos e houve 76 abstenções num total de 369 votos do Congresso. Veja publicou o discurso do presidente do MDB, Oscar Passos: "a eleição do presidente da República, no momento atual, traduz a expectativa do retorno à normalidade democrática. Aqui presentes, queremos significar que damos um crédito à prometida normalização da vida nacional." O semanário concluiu:
 

"A oposição não insultou, a maioria (Arena) não tripudiou sobre o vencido, como se os dois pensassem no destino comum, na necessidade de marcharem juntos no caminho da normalização da vida democrática brasileira."

As matérias sobre este processo sucessório foram chefiadas pelo editor Raimundo Pereira e pelos repórteres Armando Salem, Dirceu Brisola e Nelson Silva, além do editor Sebastião Rubens Gomes Pinto e dos editores assistentes Katsuto Matsumoto, Luís Gutemberg e Bernardo Kucinski, com a ajuda das sucursais do Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. Esta equipe foi responsável pela reportagem da capa desde a doença de Costa e Silva até a posse do general Médici. (6) Segundo o jornalista Bernardo Kucinski, "esta equipe, a partir do domínio que teve na cobertura de ciência, de vôo à Lua, passou a ter um domínio na cobertura de política e aí essa equipe desabrochou realmente, deslanchou e ganhou uma autonomia." (7)

Ao ser escolhido presidente, o general Médici prometeu democratizar o país e a revista incentivou, inicialmente, este discurso. De acordo com Bernardo Kucinski, "talvez houvesse uma esperança no ar, de todo mundo, de que ele (o presidente Médici) fosse abrir, cada um que entrava sempre dizia. Nesse sentido sim, mas acho que durou muito pouco. Se isso existiu foi como parte do clima geral, não como coisa de que a gente apostava numa facção contra a outra."(8)

Como podemos perceber, desde o início, a revista pregava a volta às instituições democráticas e destacava em suas reportagens tudo aquilo que poderia indicar uma abertura do regime. O recurso utilizado por Veja para driblar a censura era, principalmente, a utilização de metáforas como, por exemplo, "os sinais da primavera" indicando a vinda de novos tempos e da abertura política com a reforma constitucional; a publicação das posições dos diferentes grupos que estavam no poder ou querendo conquistá-lo; e também o uso das palavras permitidas pelo governo como "terrorismo" e "subversivos" em suas matérias. No entanto, essas palavras também eram compartilhadas pela revista, pois ela não queria o aumento da oposição armada que, segundo Veja, causaria o recrudescimento do regime.

Em relação à sucessão presidencial, Ulysses Alves de Souza publicou o comentário do secretário de redação nos primeiros anos de Veja, Henrique Caban: "Raimundo Pereira se entusiasma pelo general Albuquerque Lima e a revista embarca nessa candidatura. É uma opção claramente impossível, além de equivocada: Albuquerque Lima, que se declarava nacionalista, é na verdade um ultradireitista, observa Caban. Além disso, um general de três estrelas jamais seria eleito presidente da República passando por cima de um general de quatro estrelas, num colégio eleitoral formado por militares. Apesar do equívoco, a revista começa a se firmar depois desta crise. Raimundo Pereira marca um novo estilo. Ele vai às fontes, entrevista as pessoas, comanda diretamente o local, faz o planejamento, volta para a redação, cuida do fechamento, redige o texto final."(9)

Raimundo Pereira, em carta-resposta à revista Imprensa, respondeu: "não é verdade o que sugere o Henrique Caban, de que eu fiz a revista embarcar na candidatura do general Albuquerque Lima, um ultradireitista. Nem o general Albuquerque Lima era um ultradireitista e nem a revista o apoiou. Sugiro ao Caban reler os números de Veja que cobrem a sucessão de Costa e Silva (oito edições entre o início de setembro e o final de outubro de 1969). A despeito do tom amável adotado em relação aos militares em geral, que a revista assumiu para viabilizar-se, o que já exclui qualquer pretensão oposicionista, ali está um cobertura viva e isenta dos acontecimentos, consideradas as forças reais daquela bizarra "eleição presidencial", com muitos fatos e entrevistas dos lados em que se polarizou a escolha dos generais - de início, o pólo Albuquerque Lima e a média oficialidade contra o pólo Médici e o Alto Comando."(10)

Esta declaração de Raimundo Pereira parece mais próxima ao que constatamos nas matérias de Veja. Ou seja, a revista manteve uma posição conciliatória com o governo militar por três motivos principais: primeiro, era uma tentativa de ser liberada pelos censores; segundo, os militares eram "fontes" para as reportagens; e terceiro, precisava firmar-se no mercado e não poderia sofrer perdas com edições apreendidas pelos aparelhos censores do governo. Assim, o nome do general Médici foi aceito pela revista como um "mal menor", ou seja, Veja inicialmente preferiu incentivar a continuidade do processo de abertura política supostamente iniciado pelo presidente Costa e Silva.(11)

A luta armada e a tortura no governo Médici

Ainda antes do general Médici assumir efetivamente o governo, Veja realizou duas reportagens mostrando o sucesso dos militares em relação ao que a revista denominava de terrorismo. Em 22/10/69 (vol. 59), a matéria com o título "O terror está cercado" informava: "de prisão em prisão, os assaltos diminuem, os líderes fogem. Policiais e militares já anunciam o fim do terrorismo".

Na edição seguinte (vol. 60, 29/10/69), o título da reportagem também era bastante ilustrativo: "O terror sem saídas". Segundo Veja:
 

"As prisões e morte de homens importantes, alguns pertencentes às cúpulas do terrorismo, são apontadas como a principal causa da interrupção das ações. Outros policiais, porém, pensam que a interrupção tem uma segunda causa, igualmente desfavorável para os terroristas. Acreditam que os terroristas já estão no campo, preparando-se para iniciar a fase das guerrilhas e - segundo os policiais - serem derrotados rapidamente."

Podemos perceber que, através de ambas as reportagens, Veja apresentava a versão do governo, divulgando as informações recebidas de policiais envolvidos na "caça aos terroristas". E, a partir disso, aplaudia a repressão e o combate aos grupos ligados à luta armada.

Já com o general Médici no poder, Veja (vol.62, 12/11/69) anunciou a morte de Carlos Marighella numa armadilha armada pelo DOPS de São Paulo. "Sua última batalha acabou com o mito de que os generais do terror eram perfeitos estrategistas". Para a revista, "a morte de Carlos Marighella, se não significa o fim do terrorismo, põe por terra pelo menos a impressão de uma estrutura sólida e imbatível da subversão."

No entanto, na edição seguinte (vol.63, 19/11/69), Veja surpreendentemente enfocou a existência de violências por parte do governo na reportagem intitulada: "Tortura nas prisões?" Conforme o semanário, "setores da opinião pública começavam a inquietar-se com os boatos de que a proibição de tortura, imposta a 145 anos, não estaria sendo observada no caso de dezenas de presos políticos, principalmente jovens estudantes". A revista disse que o jornalista carioca Hélio Fernandes, através do jornal Tribuna da Imprensa, dirigiu uma carta ao presidente Médici em que pedia o fim da tortura aos presos. A partir desta carta, "a inquietação a respeito das torturas deixou de atingir apenas setores isolados para começar a alcançar largas faixas da opinião pública." Para o semanário, "de qualquer forma, é certo que alguns direitos dos presos políticos não estão sendo respeitados..." A solução, de acordo com a revista, estava na conclusão de Hélio Fernandes: "a liberdade de imprensa para denunciar os abusos cometidos pode representar uma sincera colaboração com o próprio governo".

Em 03/12/69 (vol.65), outro texto falava sobre a "violência fora da lei": "Garrastazu Médici quer uma mudança nos métodos de combate à subversão e acha que o terrorismo está contido num círculo de ferro e sua importância não deve ser exagerada".
 

"O presidente não admitirá tortura em seu governo e determinou aos órgãos responsáveis pela segurança pública e combate à subversão - vários deles acusados de torturar presos políticos e até simples suspeitos depois inocentados - que devem rever imediatamente seus esquemas de repressão e por fim ao uso de métodos violentos."

Para a revista, o controle da tortura significava um grande passo rumo ao estado de direito, e por isto declarou:
 

"Muitos advogados acham que as maiores dificuldades na defesa do réu são duas: as disposições em vigor que cancelaram o habeas corpus nos delitos políticos e estabeleceram a incomunicabilidade do preso por dez dias; e a atitude de muitos encarregados de IPMs, que não informam imediatamente à autoridade judicial competente a prisão de elementos envolvidos nos inquéritos, conforme determina a nova Lei de Segurança Nacional."

Veja concluiu que a disposição do presidente Garrastazu Médici, de não tolerar o arbítrio em nome da lei, poderia levar o país ao encontro do princípio jurídico perseguido pelo direito durante vários séculos: "a lei é o resultado do compromisso entre a Segurança e a Justiça. O ideal é a maior segurança, com a mais perfeita justiça".

Na edição 66 (10/12/69), Veja publicou importante reportagem de capa com o título: "Torturas".(12)

Nela, a revista publicou o argumento dos torturadores: "em nossa opinião, há duas coisas básicas quando se considera a questão das torturas. A primeira é que nós estamos em guerra - uma guerra contra a subversão - e que essas pessoas (isto é, os torturados) são os inimigos", informou um alto oficial dos serviços de inteligência brasileiros. "A outra coisa, é que uma pessoa com uma ideologia não dá informação de presente". Conforme o semanário:
 

"Os torturadores passam a ser encobertos por autoridades que se recusam a iniciar investigações sistemáticas em torno de seus crimes com medo de que esses inquéritos paralisem a força repressiva do Estado policial. Na solidão do cárcere o cidadão perde definitivamente a segurança proporcionada pela lei, que não tem mais sua presença simbólica dentro da cela para paralisar o braço truculento do torturador. Os direitos duramente conquistados pelos cidadãos de diferentes épocas sociais são substituídos pelos direitos dos policiais que defendem o Estado e sua minoria dirigente."

Estas reportagens sobre as torturas aos presos políticos representam o maior momento de crítica ao regime militar realizado pela Veja. A equipe responsável por estas matérias foi a mesma que cobriu o processo sucessório após a doença do marechal Costa e Silva. Após estas reportagens, este grupo não trabalhou mais junto na revista e alguns jornalistas deixaram a Veja. Estes jornalistas tiveram uma grande perspicácia ao apresentar o combate à tortura como uma proposta do presidente Garrastazu Médici, mostrando-o também como o homem que iria promover a abertura política. Marcos Sá Correa lembrou: "Raimundo (Pereira) apostou ou fingiu que apostou na decisão do ministro Buzaid, que era ministro da Justiça, de proibir tortura. Então fez-se, na época, uma capa que serviu para denunciar a existência de tortura, chamava-se: "Presidente não admite tortura". Então, uma parte dessa coisa era vista pela gente que, eu trabalhei especificamente nessa matéria, era vista pela gente como um apoio tático, você fingia que apoiava." E Bernardo Kucinski complementou: "alguns desses jornalistas tinham vínculos com grupos de esquerda, além de que quase todos tinham simpatias sólidas por grupos de esquerda, a nossa tradição era essa e havia uma grande simpatia por esses grupos, mas desta circunstância surgiu a idéia de fazer as capas sobre torturas e que deram grande impacto, mas ficamos pendurados na brocha, o resto da imprensa não nos acompanhou e essa falta de acompanhamento trouxe depois o retrocesso. A genialidade do Raimundo (Pereira) foi que nós trabalhamos em cima das promessas do novo presidente, do Médici. Ele fez a besteira, aliás provocada por um jornalista do Rio, de que ele iria acabar com as torturas e tal e aí nós usamos isso como se fosse um mandato dele: vamos ajudar o presidente a acabar com as torturas. (...) Agora, depois que saem as matérias de tortura, a coisa engrossou. Aí a equipe ficou sob suspeita, imagino, é a primeira vez que eu estou usando esta palavra, mas é como se a gente já estivesse. Aí o Raimundo fez uma entrevista com o Reis Veloso na qual ele ridicularizou o Reis Veloso, e esse foi o pretexto para a demissão dessa equipe, o pretexto porque a causa foram aquelas matérias de tortura, na minha avaliação pelo menos."(13)

Uma questão-chave , neste momento político presenciado por Veja, era o reflexo interno da revista em relação à sociedade. Os anos de 1968 e 69 mostraram uma grande mobilização da população contra a ditadura: o movimento estudantil, a Igreja, as greves operárias, as passeatas de oposição ao regime, a luta armada, etc. E dentro do semanário, a presença de duas principais equipes de jornalistas refletia a postura política desta época: uma mais "radical", liderada por Raimundo Pereira e outra mais "conciliadora", liderada por Mino Carta. O jornalista Bernardo Kucinski contou que a equipe de Raimundo Pereira ganhou destaque na Veja depois da cobertura do "Vôo à Lua". A partir daí, tornaram-se dominantes e começaram a ter influência em toda a revista. Já a equipe do Mino Carta era "uma turma jornalisticamente fraca que ele trouxe, uns amigos, enfim, por isso também que o Raimundo atropelou e ocupou espaço." No entanto, o jornalista afirmou que Mino Carta "sempre apoiou todas as iniciativas jornalísticas genuínas, ele não era um censor, ao contrário, também estimulava."(14) Depois das reportagens sobre tortura, a equipe mais "radical" não trabalhou junta por muito mais tempo em Veja, mas deixou registrada nas páginas da revista um período de grandes acontecimentos e uma tentativa de resistência ao governo militar.

Como era de esperar, depois destas reportagens em que Veja proclamava o fim das torturas como necessário para o restabelecimento do Estado de Direito, a revista teve problemas com a censura e o governo militar. A edição 66 foi apreendida nas bancas. Isto porque a luta armada e a tortura eram assuntos tabus para os militares, sendo proibida qualquer publicação contrária ao regime no que dizia respeito a estes temas. A partir daí, voltaram as matérias sobre o combate ao "terrorismo" e sumiram as matérias sobre torturas.

Meses depois, em 13/ 05/70 (vol. 88), Veja informou:
 

"Foi em 1969 que a guerrilha deixou de ser uma ameaça: grupos subversivos, com atentados a bomba e assaltos a bancos, desencadearam um novo processo, o terrorismo urbano. (...) As Forças Armadas, sempre se aperfeiçoando para qualquer eventualidade, estavam alertas".

A revista noticiou a morte de Joaquim Câmara Ferreira, o "Velho" ou "Toledo" em 28/10/70 (vol. 112). Ele foi morto numa ação comandada pelo delegado Sérgio Fleury: "cercado pela polícia, Câmara Ferreira reagiu a socos e dentadas e morreu, segundo o laudo médico, de um ataque cardíaco ao ser transportado para o DEOPS..." Notamos aqui a versão oficial do governo que foi transmitida pela revista. Devemos levar em consideração também que Veja estava sob censura, mas aceitou a versão governamental da morte por parada cardíaca de Câmara Ferreira e publicou-a.

Conforme a publicação (vol. 160, 29/09/71), depois da morte de Carlos Lamarca em setembro de 1971 "surgiram oposicionistas dispostos a propor uma espécie de desarmamento. Oscar Pedroso Horta, líder do MDB na Câmara, declarava no Rio que o governo perdera o último pretexto para manter em vigor medidas de exceção". Já "Geraldo Freire, líder da Arena, respondia que o restabelecimento da plenitude democrática nada tem a ver com o problema do terrorismo".

Durante o ano de 1972 a revista publicou poucas reportagens sobre este assunto. Apenas em 12/01/72 (vol. 175) a matéria dizia: "cinco homens morreram na semana passada, em São Paulo, vítimas do combate entre os órgãos de segurança e o terrorismo. Praticamente aniquilados, sem líderes, incapazes de realizar grandes golpes e sem dúvida cada vez mais distantes dos seus objetivos políticos, os terroristas ainda insistem em continuar na linha da violência, a cada dia mais absurda." E alguns meses depois (05/07/72, vol. 200), Veja publicou sobre uma denúncia de tortura, assunto que o semanário estava proibido de noticiar. "Confiante, o investigador Lázaro Pacheco dizia a jornalistas sobre o inquérito em que o juiz de Piracicaba, São Paulo, ouve presos que se dizem torturados: não adianta denunciar torturas às autoridades porque tenho proteção na Secretaria de Segurança". Lázaro (ou, como ele prefere, "o famoso Lazinho de São Paulo, da equipe do delegado Fleury") talvez esteja enganado quanto aos favores da autoridade que por ventura o acoberte. (...) Na delegacia de Bebedouro, onde apurava denúncias de torturas, o juiz Álvaro Breves de Menezes encontrou uma engenhosa máquina de dar choques, movida a manivela, usada para obter confissões."

Podemos perceber que, depois do início do governo Médici, Veja continuou condenando o movimento de luta armada, mas realizou algumas edições com reportagens denunciando a tortura. A revista assumiu a existência de torturas nas prisões realizadas pelos militares e condenou, principalmente, esta prática utilizada em jovens estudantes. A condenação do uso da tortura pelo semanário era condizente com os seus princípios como a volta dos direitos legais dos cidadãos. Por isso, na defesa da abertura política, condenava a existência dos mecanismos de exceção instalados com o AI-5. O semanário apresentou, inicialmente, o combate às torturas como uma proposta do general Médici e depois realizou uma edição histórica denunciando a existência de torturas aos presos políticos, inclusive um dossiê que seria enviado ao presidente. No entanto, devido a estas reportagens, a revista passou a sofrer pressões governamentais e censura, e após isto, Veja continuou publicando apenas a derrocada do movimento de luta armada e condenando a sua prática. Realizou apenas mais uma matéria sobre denúncia de torturas e deixou de publicar sobre estes assuntos, já que o movimento de luta armada estava quase totalmente derrotado e a tortura estava proibida de ser noticiada.
 

1973-74: UM PERÍODO DE ESPERANÇAS

O segundo período enfocado nesta análise engloba o ano de 1973 até a posse do general Geisel em 15 de março de 1974. Neste período, uma questão crucial para o semanário era a abertura do regime, pois viria com ela a liberdade de imprensa. Como Veja estava sofrendo censura, utilizava-se de linguagem metafórica e de recursos gráficos para mostrar seu posicionamento.

Neste período, dois temas foram destacados pela revista: a sucessão do general Médici, e a participação da oposição "oficial", representada pelo MDB, na campanha para a eleição presidencial. Desta maneira, como foi recebida a indicação de Ernesto Geisel para substituir o presidente? Veja apostou no processo de redemocratização apresentado pelo candidato? Qual o papel da oposição para a revista?

A revista Veja e o processo de abertura política

Na sucessão do general Médici houve um clima de esperança em relação à volta das instituições democráticas devido à indicação do general Ernesto Geisel. Esta esperança foi alimentada principalmente pela grande imprensa que, durante o governo Médici, esteve sob censura férrea. Com isso, analisaremos se a revista Veja embarcou nesta campanha e se foi ou não favorável a esta indicação como uma maneira para sair do regime ditatorial. Nesta época, o general Golbery do Couto e Silva (principal assessor de Geisel) iniciou contato com vários representantes da grande imprensa para conseguir apoio ao projeto de distensão. Ele reuniu-se "por diversas vezes com jornalistas proeminentes, aos quais apresentava o projeto político do novo governo e garantia que a censura seria brevemente suspensa. Estabeleceu-se de imediato um clima de grande esperança."(15)

A partir disto, interessa-nos saber se a revista Veja apostou na redemocratização do país e assumiu esta campanha apoiando a candidatura Geisel. O "candidato da abertura", para a imprensa, abriu a possibilidade de rompimento dos vínculos de solidariedade direta entre a presidência e os órgãos de repressão e inclusive o rompimento da censura. Assim, o fim do regime militar provocaria também o fim da censura que atingia e mutilava os órgãos de imprensa e, entre eles, Veja. É importante frisar que o período Médici foi marcado pelo aumento da repressão e da censura à imprensa. Desta maneira, verificaremos se a revista apostou na candidatura Geisel visando também o fim da censura e dos órgãos de repressão que ganharam grande autonomia no governo Médici. Este posicionamento é mais facilmente observado durante o processo sucessório em que o futuro presidente lançou as bases de sua campanha por uma distensão do regime. Com isso, as posições políticas assumidas por Veja podem ser demonstradas a partir dos temas que foram destacados em suas matérias e como eles foram tratados.

A sucessão de Médici

A revista só vai noticiar o nome do candidato a presidente da República após a data estabelecida pelo general Médici. Por isso, em junho de 1973, Veja publicou uma edição-extra (vol. 250-A) para anunciar o nome do sucessor de Médici: o general Ernesto Geisel. Esta edição foi importante, pois trouxe reportagens sobre a sucessão dizendo que esta cultivou a unidade das Forças Armadas.

Com isso, em junho de 1973 (Veja, edição-extra, vol. 250-A), o semanário publicou: "uma forte satisfação se apossou da nação no mesmo momento em que ficou evidente a tranqüilidade da sucessão. Em relação ao general Geisel, Veja disse:
 

"Olhado a partir de suas relações com o movimento ectoplásmico conhecido como 'linha-dura', que afligiu o governo Castelo, pode ser confundido, equivocadamente, com um liberal. Visto através de uma pesquisa de seus votos no Superior Tribunal Militar onde permaneceu até o fim do governo Costa e Silva, pode ser entendido como um duro. (...) Se o general é um liberal, então, anda com a chave da reabertura no bolso. Mas, se o general é um duro, traz o cadeado."

Esta matéria é bastante demonstrativa em relação às expectativas iniciais de Veja face à indicação de Ernesto Geisel para a presidência. O clima era de incerteza, pois os presidentes anteriores haviam prometido a volta às instituições democráticas, mas não haviam cumprido. Por isto, a revista foi bastante cautelosa quando tocou neste assunto, mas já demonstrava uma certa euforia com a candidatura Geisel. Desta maneira, o último trecho citado mostra as dúvidas sobre o futuro político, que poderia caminhar para a abertura, caso Geisel fosse um liberal, ou para um fechamento maior, caso fosse um duro.

Em uma outra matéria, nesta edição-extra, Veja declarou:
 

"A terceira troca na chefia começou com a nação em paz e o governo senhor de todos os problemas porque a unidade militar da Revolução permaneceu intacta".

Ainda nesta edição, Veja realizou uma entrevista com o senador Daniel Krieger, defensor do grupo do general Geisel e esperançoso do retorno ao diálogo com a classe política.

Percebemos que, nesta edição-extra, Veja se mostrava esperançosa em relação ao retorno das instituições democráticas. No entanto, ela o fazia com reservas, tendo em vista as experiências anteriores em que os ex-presidentes prometeram a redemocratização do país, mas não cumpriram o prometido.(16)

A revista começou a se declarar abertamente favorável à distensão em 22/08/73 (vol.259) quando publicou o encontro do general Geisel com o presidente da Arena, o senador Petrônio Portella. Para Veja:
 

"A decisão de ir à Brasília para encontrar a Arena foi, no mínimo, uma decisão gentil e, no máximo, um indício por onde se pode avaliar um período das relações mais intensas entre o Executivo e o Legislativo. Na verdade, a visita à Arena e o ambiente de cordialidade do próprio general são suficientes para indicar alguma distensão e, sobretudo, uma evidente boa vontade do futuro presidente para com os políticos."

Na edição de 23/01/74 (vol. 281), Veja noticiou a vitória do general Geisel para presidente da República e fez o seguinte comentário: "com razão, o general Portella afirmou não ter o MDB estrutura política nem densidade popular para eleger o presidente."

Na semana em que o general Geisel tomou posse, Veja (27/03/74, vol. 290) expôs seu programa de governo e o discurso em que anunciou o objetivo tão esperado: "o gradual, mas seguro, aperfeiçoamento democrático".

Dessa forma, podemos notar como o semanário assumiu o projeto de abertura proposto pelo governo, pois seria viável e não causaria retrocessos. Vai neste sentido, o depoimento de Mino Carta, então diretor de redação de Veja: "Veja havia feito uma opção política no sentido de dizer, entre o governo Médici e um governo que se propõe acabar com a censura e com a tortura, achamos melhor isso. Não só é um governo que pretende acabar com a censura, acabar com a tortura, acabar com o AI-5, fazer a anistia, fazer uma reforma partidária, organizar eleições diretas para governadores de Estado e, finalmente, uma eleição direta para presidente da República. Quer dizer, era o processo de abertura, então, nós preferimos quem vai fazer a abertura do quem não vai fazer. (...) Enfim, entre não ter nada e a distensão lenta, gradual, porém, segura, a revista Veja era a favor da distensão lenta, gradual, porém, segura. Não que fosse o sonho da revista Veja, mas ela achava que por aí o país abriria e de fato o país abriu, não só abriu, isso não impediu que se cometessem coisas hediondas no decorrer do período e que a anistia não fosse a anistia certa, e que a reforma partidária não fosse a reforma partidária certa, enfim, tudo mais, não impediu as bombas do Riocentro, não impediu as bombas na OAB, não impediu um monte de coisas horríveis, mas houve. (...) Mas eu estou lhe dizendo o seguinte: aquilo era a posição que a revista tomava de caso pensado e era para produzir efeitos, quer dizer, a abertura pode ser. (...) Não houve concessão no caso da candidatura Geisel. A revista achou que por aí se podia chegar a uma situação mais fácil e eu acho que a revista estava certa e de fato era um encaminhamento, tinha a situação, era muito complicada e havia uma complexidade que implicava, inclusive, num salto interno dentro do próprio regime."(17) O jornalista Marcos Sá Correa complementou: "você tinha duas linhas, realmente, de ação, quer dizer, quem não era governo, no Brasil, mas também não era oposição da luta armada, não tinha outra oposição a fazer se não apostar na linha mais branda do governo, você apostava em alas do governo que supunha que fossem contra o regime, que indicassem a tendência de abrandamento do regime."(18) Assim, a revista apoiou o que considerava a ala mais "branda" do governo e sua proposta de abertura política.

Veja e a oposição

Em 22/08/73 (vol.259), Veja declarou que, com o lançamento do candidato próprio, Ulysses Guimarães, "o MDB deveria realizar uma campanha suficientemente agressiva para conquistar o eleitorado dos votos nulos e ao mesmo tempo bastante moderada para não comprometer as tênues linhas de contato estabelecidas com o futuro governo."

Veja tratou desta questão porque havia um debate entre "moderados" e "autênticos" dentro do partido de "oposição oficial". Prevaleceu, neste debate, a tese dos "moderados" de que o MDB deveria realizar uma campanha agressiva a fim de conquistar o eleitorado para as eleições parlamentares de 1974, mas moderada para não comprometer os contatos com o futuro governo. No entanto, a idéia de lançar candidato próprio partiu do grupo "autêntico" e foi encampada pelo grupo "moderado". Os "autênticos" achavam válida a campanha, mas queriam a retirada dos candidatos do processo eleitoral.

Barbosa Lima Sobrinho foi lançado à vice-presidência pelo MDB e Veja (05/09/73, vol. 261) trouxe os temas que pareciam importantes para o candidato: 1) o desenvolvimento baseado na criação de capitais nacionais e no fortalecimento das empresas brasileiras; 2) a liberdade de imprensa; 3) a reabertura democrática.

Por sua vez, em entrevista nas páginas amarelas da revista (12/09/73, vol. 262), Ulysses Guimarães declarou que sua candidatura ensejava uma crítica ao processo sucessório que estava sendo feito sem o voto popular; sobre Geisel, ele esperava que cumpriria os objetivos da reforma política no sentido da democracia, ou seja, teria "uma oportunidade histórica de devolver ao país a liberdade". De acordo com Veja:

"Como um semeador, o MDB vai para a campanha eleitoral pensando no futuro".

Segundo Ulysses Guimarães, a abstenção não teria dado a oportunidade de levar o programa do MDB às ruas, às praças, aos programas de rádio e TV. Assim, ele seria o anticandidato que iria mostrar o absurdo do colégio eleitoral que usurpou o direito dos brasileiros de escolher seus governantes: "a campanha será simbólica, mostrando a grave mutilação que se fez na vida política do país, onde foi tirado aos cidadãos o direito de eleger seu presidente."

No dia 19/09/73 (vol.263), o deputado do MDB, Luís Henrique da Silveira, acreditava que a campanha presidencial serviria para a conquista de maiorias nas assembléias legislativas, os colégios eleitorais dos Estados, em 1978. Segundo Veja, os dirigentes do partido tinham aspirações mais modestas: "a pregação dos candidatos, previamente condenados à derrota, pelo menos mostrará que é difícil fazer oposição." Esta matéria é bastante ilustrativa pois mostra como a revista não apostava na campanha realizada pelo partido de "oposição". Ela não acreditava que esta campanha daria frutos em eleições posteriores, além de questionar a dificuldade em se realizar oposição. A revista temia que uma oposição acirrada pudesse reverter o processo de reabertura proposto pelo então candidato Geisel ao qual apoiava.

Na convenção do MDB que homologou a candidatura de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, o discurso de Ulysses mostrou que na oposição não havia candidato, "pois não podia haver candidato a lugar de antemão provido". Conforme Veja (26/09/73, vol. 264) "não se pode dizer que Ulysses montou um edifício de críticas ao governo. Foi sobretudo sensato e não condenou casos específicos". Segundo Ulysses, "a oposição dará à próxima administração a mais alta, leal e eficiente das colaborações: a crítica e a fiscalização". Para o semanário, "a sua campanha pode ser a entrada efetiva da oposição no cenário político vigente".

De acordo com a revista (21/11/73, vol. 272):
 

"O MDB não duvida da derrota, mas parece conformado. Seus dirigentes moderados confessam-se maravilhados com os resultados obtidos com as visitas aos Estados, e acreditam que no ano seguinte, nas eleições parlamentares, será possível contar com uma colheita abundante, apesar dos meios rústicos que teriam de ser utilizados na semeadura".

Veja refere-se, aqui, à não utilização do acesso à televisão para a "campanha eleitoral" do partido oposicionista. Por isto, utilizavam-se de "meios rústicos para a semeadura", ou seja, realizar uma campanha de "corpo a corpo" para tentar colher os frutos numa próxima eleição. Isto ocorreu porque, como a campanha realizada pelo MDB estava atingindo grande parte da população, o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) proibiu a presença do partido nos horários gratuitos de rádio e televisão. Este assunto foi tratado por Veja em 28/11/73, (vol. 273). Mesmo assim, a Convenção do MDB estabeleceu a continuidade da campanha dos "anticandidatos".

Na edição 280 (16/01/74), Veja fez uma crítica sutil às eleições indiretas ao publicar um elogio do senador Petrônio Portella ao general Geisel. Portella declarou: "creio na eleição indireta para presidente da República, como sendo a melhor. E acho que esta é a opinião da maioria dos brasileiros." Segundo a revista:
 

"O senador Portella não exagera ao falar da capacidade do general Geisel, mas misturar as virtudes do candidato com as virtudes do sistema preparado para elegê-lo, e supor que estas são responsáveis por aquelas pode ser uma distração tão grande quanto falar em nome do povo brasileiro, sem que esse fosse chamado a manifestar diretamente a sua opinião."

A partir da análise destas matérias, podemos perceber como Veja claramente apostou na proposta de redemocratização do país feita pelo general Geisel. Para isto, a revista utilizou-se da linguagem metafórica e de recursos gráficos, pois esta era uma época em que já sofria censura prévia circunstancial. Este é um dos motivos principais pelo qual Veja embarcou na candidatura Geisel: o general era visto como uma alternativa para o fim da ditadura e da censura. Esta posição foi assumida inicialmente com ressalvas devido às experiências anteriores (os ex-presidentes também haviam prometido a redemocratização do país), mas, logo após, apostou-se nesta solução como retorno à democracia. O partido "oposicionista" (MDB), por meio da "anticandidatura" de Ulysses Guimarães, foi visto pelo semanário como "aventureiro", no sentido de que sua campanha não resultaria em grandes transformações, mesmo tendo em vista as eleições parlamentares que se realizariam no final de 1974. Neste sentido, as movimentações do MDB foram bastante noticiadas pela revista, mas sem crédito à campanha que realizava.(19) A esperança de Veja era que o general Geisel retomasse o processo democrático e devolvesse ao país o funcionamento das instituições democráticas. Com isso, a abertura política se daria a partir do regime militar e com a participação dos políticos, mas sem a ajuda da população nesta transformação. Através do objetivo "gradual, mas seguro aperfeiçoamento democrático", as mudanças ocorreriam "de cima" para "baixo" e refletiriam, segundo Veja, a melhoria de todo o país. Como já apontou uma estudiosa, "apesar do abrandamento da censura, permaneceu o medo, incentivado pelo próprio governo, de que atitudes mais agressivas por parte da imprensa, pudessem por em risco o processo de abertura. (...) Grande parte da imprensa se convenceu de que, na luta pela democracia, era muitas vezes mais conveniente deixar calmo o ambiente político, a fim de facilitar a implantação do projeto de distensão, do que assumir atitudes mais agressivas que pudessem provocar uma interferência mais decisiva dos setores militares radicais. Havia uma consciência mais ou menos generalizada de que a melhor postura política no momento era, se não apoiar, pelo menos não atrapalhar o projeto político do presidente Geisel."(20) Com efeito, este sentimento apontado por Duarte foi assumido pela revista Veja.
 
 

1977-79: UM PERÍODO DE EXPECTATIVAS FRENTE
À ABERTURA POLÍTICA

Este período engloba os anos de 1977, quando a imprensa começou a noticiar sobre o possível nome do futuro presidente; 1978 com a intensificação da campanha para a "eleição"; e chegamos até 15 de março de 1979, quando o general João Baptista Figueiredo tomou posse. Nesta época, ocorreu o fim da censura política à imprensa e o fim do AI-5, mas permaneceram a Lei de Segurança Nacional e as salvaguardas institucionais que davam plenos poderes ao Executivo. Iniciou-se efetivamente o processo de abertura e, no entanto, mantiveram-se poderes excepcionais, caso o governo precisasse deles.

Veja foi liberada pela censura em junho de 1976 e, por isto, realizou a cobertura da sucessão presidencial sem a pressão dos censores na redação. No entanto, permaneceu uma autocensura na revista, pois ainda havia o medo de que qualquer atitude mais agressiva e contrária ao regime militar pudesse provocar um retrocesso. Como já vimos, isto era um receio incentivado pelo próprio governo. E os jornalistas do semanário aceitaram estas regras como uma tentativa de favorecer o retorno às instituições democráticas.

Neste período, mesmo com o fim da censura, ainda havia a incerteza em relação à continuação ou não do processo de abertura política que deveria ser cumprido pelo então candidato a presidente da República, o general João Baptista Figueiredo. Desta maneira, os temas aqui destacados foram: a sucessão do general Ernesto Geisel e a oposição "oficial" representada pela Frente Nacional pela Redemocratização. Agora, a opinião do semanário era expressa através dos editoriais ("Carta ao Leitor") que ganharam destaque com o fim da censura à imprensa. Podemos, então, indagar: como Veja recebeu a indicação do general Figueiredo para substituir o presidente? Como a oposição era vista neste processo? A revista manifestava-se declaradamente, depois do fim da censura?

Veja e a redemocratização

A imprensa, de modo geral, e a revista Veja, em particular, apoiaram o projeto de abertura política proposto pelo governo. A imprensa manteve-se numa posição de não realizar críticas rigorosas ao regime, justamente para que isso não causasse uma volta aos "anos de chumbo" do governo Médici.

Neste contexto, interessa-nos saber se a sucessão do general Geisel significou para Veja uma continuidade em relação aos princípios de defesa das instituições democráticas e se a candidatura do general Figueiredo era vista como necessária para que a redemocratização se concretizasse.

Nesta época, destacamos uma maior importância dos editoriais (denominados de "Carta ao Leitor") devido ao fim da censura. Com isso, a revista passou a mostrar mais claramente o seu posicionamento e já não precisava tanto da utilização de linguagem metafórica e recursos gráficos para falar o que pensava.

Observaremos, agora, como Veja lidou com os temas destacados em sua parte política.

A sucessão de Geisel

A sucessão do presidente Ernesto Geisel teve algumas particularidades: já haviam sido eliminadas algumas medidas coercitivas do regime e, entre elas, a censura férrea à imprensa. Por isso, como já dissemos, a candidatura Figueiredo foi bastante noticiada pela imprensa antes mesmo do prazo estabelecido pelo general Geisel (janeiro de 1978). Assim, em julho de 1977, o Jornal de Brasília publicou a possibilidade do general João Baptista Figueiredo ser candidato a presidente da República. Para Veja (vol. 462, 13/07/77), este episódio inaugurou o assunto sucessório. Nesta matéria, o presidente da Caixa Econômica Federal, Humberto Barreto, declarou à revista: "assim que o presidente abrir a temporada, eu estarei ao lado da candidatura do Figueiredo a candidato".

No começo de agosto, o senador José Magalhães Pinto lançou-se candidato e declarou à Veja (vol. 465, 03/08/77): "o problema sucessório só deve ser tratado em janeiro. Mas não sou insincero: estou aí, circulando como candidato". Segundo a revista, Magalhães Pinto tinha boas relações nas áreas políticas civis "onde poderia ser recebido como um restaurador, aureolado por sua condição de deflagrador do movimento de março de 1964."

Dois meses depois, Veja (vol. 475, 12/10/77) noticiou a certeza da candidatura do ministro do Exército, Sylvio Frota. "Depois de uma série de pronunciamentos, sendo quatro na tribuna da Câmara, a candidatura Frota estava tão ostensivamente posta quanto a do chefe do SNI, general João Baptista Figueiredo..." Para a revista, o grupo dos deputados "frotistas" tinha duas características: "reunia deputados conhecidos como radicais da Arena e muitos parlamentares de reduzida ou nenhuma expressão política."

Mas, na edição seguinte, Veja publicou a exoneração do ministro. Segundo a revista, pela primeira vez, desde 1964, "um ministro do Exército foi exonerado - e, mais grave, sem que o solicitasse, ainda que formalmente, como manda a praxe da administração pública." Para o general Hugo de Abreu esta foi "uma decisão de caráter pessoal sem qualquer vinculação com o problema político da sucessão presidencial". Conforme o semanário:
 

"É possível que eventuais ambições sucessórias não tenham sido o móvel da exoneração, mas não há dúvida de que o mal esboçado processo foi duramente atingido pelo episódio." Além disso, "a vigorosa ação do presidente da República, com o apoio ostensivo dos integrantes do Alto Comando do Exército, e a incapacidade de reação do ministro exonerado acabaram por produzir um evidente fortalecimento da autoridade de Geisel, política e militarmente."

De acordo com Veja:
 

"De agora em diante, o Palácio do Planalto dispõe de terreno livre para fazer marchar o carro que, em tempos mais remotos, tentou transportar a bandeira da distensão política, e agora se apresenta com a do restabelecimento das principais franquias democráticas, consubstanciadas na extinção do AI-5, do Decreto 477 e a volta do habeas corpus, fundamentalmente. (...) Pois não há mais o candidato da contrademocratização no panorama sucessório."

A partir disto, observamos que, para a revista, a candidatura Frota representava uma posição contrária à abertura política e, por isto, era condenável. Ao mesmo tempo, Veja ainda utilizava-se da linguagem metafórica para falar sobre o processo de redemocratização.

Na edição 487 (04/01/78), a revista resolveu a questão entre o general Figueiredo e o senador Magalhães Pinto. Segundo Veja, "a queda de Frota não só deixou livre o campo para atuação dos figueiredistas, porque desde então desapareceram as condições para o nascimento de outra candidatura nas Forças Armadas, como principalmente evidenciou que o presidente Geisel assumira o controle absoluto do processo sucessório." Já o senador Magalhães Pinto manteve contato com o ex-ministro Severo Gomes e também com membros influentes do MDB, "embora a meta continue a ser a convenção da Arena..." De acordo com o semanário, "a pregação nitidamente oposicionista de Magalhães, no entender do Palácio do Planalto, poderia pôr em xeque o programa político arquitetado pelo presidente Geisel." No entanto:
 

"Ao expirar o ano e iniciar-se o mais esperado janeiro pós-64, as decisões já estavam tomadas, havia um só homem sob a luz do palco - e ele era o general João Baptista Figueiredo."

Logo a seguir, o presidente Geisel lançou oficialmente a candidatura do general Figueiredo publicada na edição 488 (11/01/78), comunicando também a da vice-presidência para o governador de Minas Gerais, Aureliano Chaves. Conforme a revista, esta fora a mais peculiar sucessão presidencial desde 1964: "a mais fechada, porque só um eleitor votou, e a mais aberta, porque a imprensa, livre de censura, pôde anunciar o resultado antes mesmo da votação." No entanto:
 

"O relevante é notar a singela e repetida verdade da extrema solidão que cercou o processo. Dele, resta a evidência de um país urgentemente necessitado de reformar o cerne de seu regime. Não é o acerto específico da decisão anunciada na última quinta-feira que está em causa - pode até ter sido a melhor decisão possível. Tampouco trata-se de condenar por definição o projeto político do presidente Geisel. Quem sabe, ele seja o primeiro líder pós-64 a colocar o país efetivamente no rumo da democracia. O que está em julgamento é o processo. A nação esteve tão distante dele, do início ao fim, que fica difícil imaginar sua repetição no futuro."

Como podemos perceber, Veja apostou na candidatura Figueiredo como uma continuidade do governo Geisel e, com isso, a continuidade também do processo de retorno às instituições democráticas. A oposição era aceita e válida desde que não prejudicasse este processo, mas necessária para reativar o funcionamento dos debates políticos. Portanto, a revista embarcou não tanto na defesa do nome do general Figueiredo, mas sim na continuidade do projeto político que ele representava.

A oposição

Com a candidatura para presidente da República do general Euler Bentes Monteiro e de Paulo Brossard pelo MDB, o partido de oposição "oficial", as oposições tentaram se unir para derrotar o candidato do governo. Esta, portanto, não foi uma candidatura "simbólica" como a de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho ocorrida na eleição presidencial anterior, mas sim uma candidatura que pretendia vencer, inclusive com o apoio de dissidentes da Arena e contando com nomes importantes como o do senador Magalhães Pinto e do ex-ministro Severo Gomes.

Em julho, Veja (vol. 509, 07/06/78) publicou a união entre o general Euler Bentes e o senador Magalhães Pinto para produzir "uma proposta formal de constituição da Frente Nacional pela Redemocratização - 'instrumento para congregar todas as correntes de opinião nacionais que se empenham na luta contra a permanência do arbítrio'."

Na edição 521 (30/08/78) Veja publicou a indicação oficial do general Euler Bentes Monteiro para a presidência da República e do senador Paulo Brossard para vice pelo MDB.

Nessa fase, a revista mostrou o que pensava sobre a oposição "oficial" em alguns editoriais. No dia 23/08/78 (vol. 520), a "Carta ao Leitor" assinada por José Roberto Guzzo elogiava Ulysses Guimarães e dizia que muitos oposicionistas souberam atravessar o período militar e chegaram "bem equipados para a próxima e decisiva rodada da vida política do país." Com isso:
 

"Fazer a passagem - eis aí o que interessa. O problema essencial da política brasileira, hoje, é defender a democracia. Ou seja: o que importa é preservar os avanços feitos até agora, dar substância às liberdades que existem e montar um terreno firme para o futuro."

Dois meses depois, na edição 529 (25/10/78), Guzzo defendeu: "é preciso, urgentemente, reconhecer que a multiplicação de críticas ao arbítrio é apenas um sinal de que há espaço para o trabalho do MDB. Confundir essa oportunidade de consolidar a abertura democrática com o desejo de uma derrocada da administração é a maneira mais simples de colocar em xeque a existência de uma oposição séria - e, também, de minar um patrimônio eleitoral juntado com tantas dificuldades."

Como podemos notar, para a revista, a oposição deveria entrar no jogo do governo para que a abertura política se concretizasse.

A partir destas reportagens, percebe-se a coerência da postura de Veja em relação aos princípios democráticos defendidos desde o início de sua existência. Mas este posicionamento sempre foi conservador, ou seja, a abertura política era defendida como uma proposta do governo e só por ele poderia ser realizada. A presença da oposição "oficial" era permitida, mas ela não deveria contestar e nem criticar rigorosamente o processo de abertura do regime militar. Desta maneira, podemos destacar como Veja manteve uma coerência em relação às suas idéias quanto ao fim do regime e as defendeu mais claramente depois do término da censura política.
 
 
 

1983-85: O PERÍODO FINAL DO REGIME MILITAR

Este período engloba os anos de 1983, quando começou a campanha dos candidatos a candidato para suceder o general João Baptista Figueiredo; passando por 1984 quando esta campanha continuou e foi escolhido Paulo Maluf pelo partido do governo, o PSD, e o candidato Tancredo Neves pelo partido oposicionista mais importante na época, o PMDB; até chegar a janeiro de 1985 quando Tancredo Neves e José Sarney venceram as eleições presidenciais. Ocorreu, com isso, pela primeira vez, a vitória de um candidato oposicionista, que obteve apoio da parte dissidente do partido do governo e elegeu-se através de eleições indiretas realizadas por um Colégio Eleitoral. A partir disto, o regime militar brasileiro terminou, sendo a abertura política comandada quase que totalmente pelo governo. Apenas no final do regime, a população participou deste processo através da campanha pelas eleições presidenciais diretas. Antes disto, o governo já havia aprovado a Lei da Anistia que não condenava os torturadores e a Reforma Partidária que teve o objetivo de dividir a oposição.

No entanto, o partido do governo não conseguiu fazer seu sucessor e isto possibilitou efetivamente o final do período militar. A grande imprensa acompanhou este processo sucessório sem a presença da censura política, mas convivendo com a censura econômica ou empresarial, ou seja, as pressões de liberação de empréstimos e importação de equipamentos por parte do governo indicavam os limites da liberdade para contrariar o pensamento de quem estava no poder. Por isto, ela vai definindo a sua maneira de pensar conforme a situação permite, ou seja, de acordo com os rumos dos acontecimentos ocorridos no governo e também na sociedade civil.

Desta maneira, os principais temas políticos destacados por Veja, neste período, foram: a campanha pelas "Diretas-já", a campanha dos candidatos a sucessores do presidente Figueiredo, e a campanha do candidato oposicionista. Assim, como a campanha pelo retorno das eleições presidenciais diretas foi encarada pelo semanário? Em qual candidato a revista apostou? Veja apoiou a campanha do candidato oposicionista?

Veja e as perspectivas finais de redemocratização

Na fase final do regime militar, a grande imprensa passou a criticar mais o governo, principalmente na área econômica, devido ao grande aumento da inflação, do desemprego e da crise em geral atravessada pelo país. Em contraste, o processo de abertura política promovido pelos militares era pouco criticado, a não ser em alguns pontos específicos, como a questão das eleições diretas para presidente.

Quando a emenda Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso, o processo sucessório indireto passou a ser bastante noticiado pela imprensa em geral. Desta maneira, interessa-nos saber se enquanto havia três principais concorrentes a candidato para suceder o presidente João Baptista Figueiredo, Aureliano Chaves, Mário Andreazza e Paulo Maluf, Veja foi favorável a um deles. Depois que a dissidência do partido do governo, liderada por Aureliano Chaves, começou a apoiar o candidato oposicionista Tancredo Neves, verificaremos se a revista também seguiu este caminho. Além disso, interessa-nos saber como Veja portou-se na campanha pelas eleições presidenciais diretas, já que defendia a redemocratização do regime e a participação da população foi marcante nesta campanha.

As eleições presidenciais diretas sempre foram defendidas pela revista, por isto é possível imaginar que o candidato oposicionista, por ter assumido esta bandeira e por ter-se unido aos dissidentes do governo tenha recebido o apoio de Veja. A Frente Liberal era formada por políticos influentes dentro do regime, que se uniram contra o deputado Paulo Maluf e pregavam a abertura política e eleições diretas para presidente. Neste contexto, Veja manteve-se fiel aos seus princípios de defesa de abertura política do regime? Em contraste com as épocas anteriores, a revista falou abertamente sobre o que defendia ou ainda utilizava-se de "vozes" alheias para demonstrar seus posicionamentos?

Nesta época, os editoriais continuaram importantes, pois Veja não possuía mais a presença da censura política em sua redação. Por isto, ela mostrava suas idéias através da "Carta ao Leitor", em que comentava o principal assunto da semana e dava sua opinião. A seção já não era mais assinada, ou seja, não responsabilizava mais uma única pessoa, geralmente o chefe de redação, pelo texto opinativo.

Além dos editoriais, a análise das matérias publicadas por Veja pode indicar o seu posicionamento em relação à campanha pelas eleições presidenciais diretas, ao candidato do partido do governo e do partido oposicionista.

A campanha pelas "Diretas-já"

A revista Veja assumiu a bandeira das eleições presidenciais diretas desde quando foi liberada pela censura e o projeto de abertura política ganhou incentivo no governo do general Ernesto Geisel. No entanto, foi quando esta campanha "ganhou as ruas" e conquistou a adesão da população que o semanário passou a incentivá-la nos seus editoriais e reportagens. Nestas matérias, Veja destacou a união de diferentes correntes oposicionistas e de parte dos políticos do partido do governo na campanha pelas "Diretas-já", e também a forma pacífica em que eram realizados os comícios.

A oposição, liderada pelo principal partido oposicionista na época, o PMDB, assumiu integralmente a campanha pelas "Diretas-já" com apoio de outras correntes oposicionistas (PT, PDT, PTB, OAB, CNBB, entre outros) e o ano de 1984 foi marcado por grandes comícios realizados pelo país. A população aderiu com grande entusiasmo e achou um espaço para participar novamente da vida política brasileira. Com isso, em 18/01/84 (vol. 802), a "Carta ao Leitor" mostrou uma clara posição da revista com o início das manifestações públicas para que o Congresso Nacional votasse o restabelecimento da eleição direta para presidente da República. Para Veja:
 

"Esta é a melhor, mais correta e mais lógica solução para se escolher o sucessor do presidente João Figueiredo. A necessidade da eleição direta deriva, de uma parte, da completa falência do atual sistema sucessório, centrado num Colégio Eleitoral que não tem, simplesmente, a legitimidade indispensável para a tarefa de eleger o sucessor. Não é o fato de apenas 686 pessoas escolherem o presidente que vicia o sistema. O problema é a falsa aritmética que dá, nesse grupo de cidadãos, a maioria ao partido do governo - quando ninguém, em sã consciência, pode dizer que o governo tem a maioria do eleitorado brasileiro. O segundo fator a impulsionar a eleição direta é a absoluta necessidade, neste momento de crise profunda pelo qual passa o Brasil, de que o próximo presidente tenha um genuíno respaldo da maioria da população para tomar as medidas capazes de tirar o país do buraco. Nenhum outro instrumento pode, como a eleição direta, tornar esse apoio mais claro - e, ao mesmo tempo, fazer o eleitorado co-responsável pelo mandato que o presidente terá."

Na edição 804 (01/02/84), a "Carta ao Leitor" dizia: "o grande comício realizado na semana passada em São Paulo foi uma das mais patentes demonstrações de apoio da população a uma idéia política jamais ocorridas no Brasil. (...) O essencial é que a população quer votar para presidente, fato acima de discussões e medido por pesquisas comprovando que mais de 80% dos eleitores se juntam nessa posição." A postura crítica parecia crescer com a campanha: "foi desalentadora, em tais condições, a reação do governo ao comício paulista. É compreensível que o governo não goste de uma manifestação de massa que resulta contra ele. É natural, também, que, defendendo um ponto de vista diferente, lute para fazê-lo prevalecer no jogo político." No entanto, o governo sustentou que as pessoas foram até a Praça da Sé para verem um show artístico. Para a revista, isto significava a recusa da realidade por parte do governo, uma anulação dos fatos.

Em 25 de abril de 1984, mesmo com a derrota da emenda Dante de Oliveira pelo Congresso, que não conseguiu a maioria de dois terços pois precisava de 320 votos num total de 479 e recebeu 298, a revista elogiou a participação da população na campanha e destacou o amadurecimento político do povo brasileiro. A "Carta ao Leitor" do dia 02/05/84 (vol. 817) dizia:
 

"Em centenas de comícios por todo o país, os cidadãos souberam manifestar sua reivindicação em perfeita ordem, sem que se registrasse sequer um incidente de gravidade. Foi uma campanha maior que qualquer outra jamais feita no país e, em termos de qualidade, tornou-se notável por ter sua base em argumentos, não em histeria ou violência. Na semana passada, quando a emenda das diretas foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, essa mesma população que de maneira tão exemplar havia expressado seus propósitos manteve o mesmo comportamento sereno e civilizado dos últimos quatro meses, apesar de seu profundo desapontamento com o desfecho. É esta a marca do novo Brasil: um país que amadureceu."

Nesta mesma edição, no entanto, Veja apontou a "luz no fim do túnel" representada por Tancredo Neves, membro do partido oposicionista, o PMDB, como capaz de unir a oposição e os descontentes com o governo. Segundo o semanário, os governadores do PDS do nordeste surpreenderam o país ao anunciarem que, para eles, o governador mineiro, Tancredo Neves, era a pessoa mais indicada para participar dos entendimentos capazes de impedir a criação de um impasse político na sucessão presidencial. Conforme a revista, Tancredo Neves não dissimulava a sua formação conservadora e isto facilitaria o apoio de parte do PDS. Veja apostou nesta saída centrista.

A sucessão de Figueiredo

Veja (vol. 767, 18/05/83) anunciava: "começou o grande clássico da sucessão do presidente Figueiredo. Largaram na frente o ministro do Interior, Mário Andreazza, 64 anos, e o vice-presidente, Aureliano Chaves, 54." Atrás deles vinham o senador Marco Maciel; o presidente da Eletrobrás, José Costa Cavalcanti; o ex-governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães; e o biministro da Previdência e da Desburocratização, Hélio Beltrão. Já o deputado Paulo Maluf não havia largado. A revista informou que o presidente iria coordenar a escolha do candidato e manteria o controle da própria sucessão. Veja concluiu, indicando ser favorável à candidatura Aureliano:
 

"O ministro do Interior representa, para o bem ou para o mal, uma estrita continuação dos métodos administrativos do atual governo. Aureliano traz consigo indicadores de mudanças."

Diante da polarização entre as candidaturas de Paulo Maluf e Mário Andreazza, Veja não apoiou nenhum dos dois nomes dizendo que eles representavam uma continuidade das coisas como estavam. Desde o início, mostrou uma simpatia pelo vice-presidente, Aureliano Chaves, que, para ela, representava a mudança, sem se chocar com o governo.

Conforme a revista ( vol. 804, 01/02/84):
 

"Enquanto Maluf e Andreazza exibem bases diferentes e programas semelhantes, Aureliano parece buscar uma trilha capaz de fazer renascer as velhas raízes de seu partido de origem, a UDN, cavalgando uma mistura de moralidade com defesa das liberdades públicas. Por isso, dispõe de biografia. Foi um administrador de contas respeitado pela oposição e o primeiro político do PDS a defender a anistia, em 1977."

A eleição de Paulo Maluf na Convenção do PDS foi noticiada pelo semanário em 15/08/84 (vol. 832). De acordo com Veja, a chave da segunda etapa da campanha de Paulo Maluf à presidência da República era obter o apoio da máquina administrativa do governo federal e, com isso, tentar unir o PDS.

Entretanto, em 14/11/84 (vol. 845), o semanário publicou um título sugestivo: "Maluf perto do fim". E declarava: "encurralado pela falta de apoio popular e pelos sucessivos avanços de Tancredo Neves na contabilidade do Colégio Eleitoral, Maluf pôde constatar que as possíveis saídas eventuais não passam pelas portas do Palácio do Planalto - todas estão fechadas."

Na edição 846 (21/11/84), a capa da revista revelava a situação do processo sucessório: "O malufismo em retirada". E a reportagem dizia:
 

"O país quis eleições diretas já, e Maluf foi contra. (...) O Brasil reivindicou a mudança de regime, e o candidato do PDS foi apresentado como seu continuador. (...) Agora, quando o candidato tenta mudar de bandeiras e ensaia a defesa das diretas já e do reatamento de relações com Cuba, parece claro que é tarde demais."

Após isto, o candidato do governo foi derrotado nas eleições presidenciais indiretas pelo candidato oposicionista, Tancredo Neves, dando fim ao regime militar brasileiro.

A vitória oposicionista

Antes disso, em meados de junho, Veja (vol. 824, 20/06/84) anunciou a união de políticos contra a candidatura Maluf: "todos os políticos do governo que não gostam da idéia de ver Maluf na presidência da República ganharam mais tempo para se armar contra ela - basicamente juntando-se a um candidato de oposição para derrotar o preferido de seu próprio partido no Colégio Eleitoral que em 15 de janeiro próximo elegerá o novo presidente." Desse modo, tornava-se mais verossímil a hipótese de que o presidente "passe a faixa a um oposicionista". O senador José Sarney renunciou à presidência do PDS, "transferindo-se para a dissidência que espera barrar Maluf no Colégio Eleitoral."

A formação da Frente Liberal foi publicada pela revista em 11/07/84 (vol. 827) depois da dissidência de Aureliano Chaves, Marcos Maciel e José Sarney do PDS. Veja declarou que "o mais provável é que o senador José Sarney seja o companheiro de chapa de Tancredo se as negociações entre os dois grupos forem bem sucedidas."

Nessa altura, o semanário (vol. 828, 18/07/84) defendeu a Frente Liberal como a solução para estabilidade econômica e a democracia no Brasil:
 

"A organização das forças políticas centristas, tentada sem sucesso outras vezes, poderia ser o desaguadouro das ações da Frente Liberal, que assim assumiria o papel de pólo de atração nacional para as diversas tendências hoje espalhadas pelo espectro partidário. O atual movimento de dissidência, neste caso, estaria realmente prestando um serviço ao país e à sua vida política. Num momento de dificuldades como o de agora, e numa sociedade com problemas e divisões tão graves como a brasileira, é essencial para o equilíbrio político a existência de um centro forte e organizado. Sem ele será impossível cogitar seriamente de estabilidade, ou de qualquer projeto duradouro para a democracia no Brasil."

O acordo entre o candidato oposicionista e a Frente Liberal formando a Aliança Democrática foi noticiado por Veja em 01/08/84 (vol. 830). Com isso, "Tancredo consolida o acordo com a Frente Liberal e é saudado como forte candidato à Presidência".

Na edição 832 (15/08/84), Tancredo, oficialmente indicado para candidato do PMDB à presidência da República, recebeu um apoio crítico de Veja. Conforme o semanário:
 

"O grande teste para a Aliança Democrática será levar às ruas multidões que correspondam ao amplo leque de tendências políticas que estarão representadas nos palanques e assim Tancredo sairá de cada comício cada vez mais respaldado para disputar a presidência da República. Se, no entanto, os comícios não conseguirem reunir nas praças públicas número expressivo de pessoas, será um sinal de que a união do PMDB e das oposições com a Frente Liberal saída do PDS não convenceu a opinião pública."

Na edição especial de 16/01/85 (vol. 854), Veja mostrou como foi configurada a vitória da oposição. Conforme o semanário, Tancredo Neves batizou o período depois das eleições de "Nova República". "Quando o painel triunfalista do malufismo começou a desabar, entre agosto e setembro do ano passado, Tancredo, nos bastidores, dedicou-se a roer as estacas com que se pretendia montar um clima de instabilidade capaz de levar a um golpe. Se da esquerda do PMDB obteve as concessões que permitiram a alternativa moderada, e de uma parte do PDS ganhou o apoio que viabilizava a matemática da eleição, foi no núcleo de militares comprometidos com as Forças Armadas como instituição que ele buscou algumas poucas palavras - todas blindadas e artilhadas - para desmantelar os planos de todos aqueles que jogavam na crise". Para a revista, "é provável que haja esperança demais e Tancredo de menos, mas vinte anos de onipotência ensinaram ao Brasil que é preferível acreditar menos nas pessoas e mais nos processos democráticos".

Na edição de 23 de janeiro de 1985 (vol. 855), a revista publicou a vitória de Tancredo Neves nas eleições presidenciais realizadas no dia 15/01/85 por 480 votos contra 180 dados a Paulo Maluf , 26 abstenções e 9 ausências. Segundo Veja, o resultado "abre uma nova era na história do Brasil". E acrescentava, "ao presidente eleito não parece transtornar a circunstância de dever sua vitória a uma desconexa aliança de forças, que vai de seu vice, José Sarney, que era governador do Maranhão no dia em que se assinou o AI-5 e presidente do PDS que derrotou as diretas, em abril de 1984, ao Partido Comunista do Brasil, que sonha em fazer do Brasil uma imensa Albânia". Para a revista, o povo brasileiro que não pôde votar tem o direito de sentir-se personagem da história:
 

"O regime mudou - e os homens nele engajados terão também de mudar".

Como podemos notar, durante o processo sucessório, enquanto havia apenas os três candidatos a candidato para suceder o presidente João Baptista Figueiredo, Veja teve uma preferência pelo vice-presidente, Aureliano Chaves. Para a revista, ele era o civil representante do centro forte e organizado que efetivaria o fim do regime militar. No entanto, quando o deputado Paulo Maluf saiu vitorioso da Convenção do PDS, os descontentes com a sua candidatura saíram do partido e formaram a Frente Liberal. Esta Frente era liderada por Aureliano Chaves e possuía também o apoio de políticos ligados ao ministro Mário Andreazza, derrotado na Convenção contra Maluf. Quando eles se uniram ao candidato do partido de oposição, o PMDB, Veja passou a apoiar Tancredo Neves e José Sarney. O primeiro já era simpático à revista desde quando embarcou na campanha pelas eleições presidenciais diretas, defendida por Veja. Tancredo Neves, mesmo sendo da oposição, possuía características conservadoras, o que possibilitou a união com os dissidentes do governo. Com isso, nitidamente o semanário viu nesta união a solução para a abertura política do regime realizada por políticos centristas e conservadores que não provocariam mudanças radicais na vida política do país. O regime passaria a ser democrático, mas sem mexer na estrutura do poder econômico que formava a sociedade brasileira. Além disso, os meios de comunicação não teriam mais a censura para se preocupar e poderiam "vigiar" o governo como sempre foi a tradição do "quarto poder". Portanto, quando Veja defendeu a oposição na vitória para as eleições presidenciais, também defendia os seus interesses de que houvesse mudanças, mas sem modificar o contexto de manutenção do poder econômico no qual ela estava inserida.
 
 

CONCLUSÃO

Inicialmente, analisamos a sucessão do presidente Costa e Silva, em que a principal oposição vinha do movimento de luta armada e não de políticos do partido de oposição "oficial", o MDB. Neste momento, Veja acompanhou a sucessão nos meios militares e saudou o novo presidente, Emílio Garrastazu Médici, como o continuador do processo de abertura política que ela acreditava ter sido iniciado pelo marechal Costa e Silva, através da Reforma Constitucional. A revista combateu a oposição chamada por ela de "terrorista" e defendia as críticas "construtivas" ao regime somente dentro do Congresso Nacional (um órgão legítimo) e de setores organizados nas instituições, dentre elas, a própria imprensa. No entanto, condenou a utilização do uso de tortura a presos políticos até o momento em que foi censurada. Esta foi uma época em que a censura atacou de frente os meios de comunicação e Veja viveu a falta de liberdade de expressão durante vários anos, o que também influenciou o seu posicionamento na sucessão presidencial seguinte.

O governo do general Médici foi o mais repressor do período militar e por isso quando foi anunciado o nome do general Ernesto Geisel para sucedê-lo, o semanário o apoiou, pois no seu discurso vinha a promessa da abertura política do regime. O principal assessor do general Geisel, Golbery do Couto e Silva, procurou os órgãos de imprensa e assegurou a realização de medidas que promoveriam a volta a democracia e, entre elas, o fim da censura. Por isso, Veja embarcou nesta candidatura e realizou uma positiva edição-extra quando Geisel foi escolhido presidente. A oposição, nesta época, já com o fim da luta armada no governo Médici, foi representada pelos "anticandidatos" do MDB, Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho. Estes candidatos sabiam que era muito difícil ganhar a "eleição", por isso, saíram em campanha criticando o regime militar. A revista aceitava este tipo de oposição, mas acreditava na liberalização vinda dos membros do próprio governo e, por isto, os oposicionistas eram vistos apenas como críticos aceitáveis desde que não atrapalhassem os militares no processo de abertura. Veja só foi liberada pela censura na metade do governo Geisel, em junho de 1976, mas não deixou de apoiar o seu projeto desde a sua candidatura. Depois da posse de Geisel, a revista preferiu continuar acreditando em suas promessas de que a censura iria terminar.

Quando o presidente Ernesto Geisel escolheu seu sucessor, o general João Baptista Figueiredo, o semanário continuou apoiando o candidato do governo como o continuador e efetivador do processo de democratização iniciado por Geisel. Veja manteve seu apoio a Figueiredo objetivando o fim do regime por iniciativa do próprio governo. Nesta sucessão, o partido de oposição "oficial" lançou uma candidatura militar através do general Euler Bentes Monteiro e do senador Paulo Brossard. Alguns jornalistas da revista se entusiasmaram com esta candidatura e viram uma possibilidade de vitória, diferentemente da candidatura de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho. No entanto, estes jornalistas foram afastados e prevaleceu o candidato apoiado por Veja.

A última sucessão presidencial foi diferente. O presidente Figueiredo demorou muito para se definir entre os três candidatos do partido do governo: Aureliano Chaves, Paulo Maluf e Mário Andreazza. Alguns autores afirmam que esta indefinição mostrava que Figueiredo queria prorrogar o seu mandato.(21) No entanto, a decisão foi tomada na Convenção do PDS (o partido do governo depois da Reforma Partidária) e o escolhido foi Paulo Maluf. Os descontentes com essa candidatura saíram do PDS e formaram a Frente Liberal liderada pelo vice-presidente, Aureliano Chaves. Esta Frente uniu-se ao principal partido oposicionista da época, o PMDB, lançando a candidatura Tancredo Neves-José Sarney. Com o enfraquecimento do partido do governo, essa união saiu vitoriosa e Tancredo foi eleito presidente. Quando Aureliano Chaves ainda era candidato pelo PDS, a revista o apoiava como a solução civil para a volta à democracia, pois Paulo Maluf era visto pela maioria dos órgãos de imprensa como corrupto e Mário Andreazza representava a continuidade do regime. Com a formação da Frente Liberal e com o apoio desta ao candidato oposicionista, Veja passou a apoiar esta união como a possibilidade de um centro forte e organizado capaz de mudar o regime sem promover grandes transformações da sociedade.

A partir disto, podemos constatar que Veja manteve seu posicionamento a favor dos candidatos do governo, só mudando a sua posição quando o candidato oposicionista recebeu apoio dos dissidentes do partido do governo. Isto deu-se, também, por dois outros motivos: a revista já não era mais censurada e o governo Figueiredo atravessava uma das piores crises da economia brasileira. Houve, então, o incentivo de Veja às mudanças, desde que feitas por políticos ditos liberais, mas, ao mesmo tempo, conservadores. Aqui temos um ponto-chave para a análise: em se tratando das sucessões presidenciais, o semanário acatou as decisões governamentais porque queria a abertura política feita pelo próprio governo, e mesmo com o apoio à candidatura de Tancredo Neves, tudo deveria ser feito dentro da ordem.

No entanto, houve momentos em que a revista entrou em conflito com o regime militar. Estes conflitos podem ser representados, principalmente, por três pontos de discórdia: a censura, a tortura e a campanha pelas "Diretas-já". Estes três assuntos despertaram divergências e críticas por parte de Veja em relação às ações do governo. Desta maneira, o semanário defendia a liberdade de expressão, bandeira da maioria dos órgãos de imprensa, que intitulavam-se de "quarto poder" para vigiar e criticar as falhas do governo; defendia as liberdades individuais, e, por isso, além de ser contra a tortura, era contra as medidas coercitivas contidas principalmente no AI-5, entre elas, também, o habeas corpus; e finalmente, depois de liberada pela censura, claramente passou a defender as eleições presidenciais diretas, como o principal fator de um regime democrático.

Com isso, notamos que havia um desconforto da revista diante do regime militar. O semanário foi criado com moldes empresariais, dentro do sistema capitalista. E favorecia-se com as políticas econômicas do governo, mas sentia-se desconfortável em relação à censura que barrava o seu direito de informar. Por isso, a abertura política era defendida sem que pudesse causar rupturas bruscas, sem que modificasse o sistema econômico no qual deu certo.

Portanto, a posição de Veja definiu-se favorável ao governo nos momentos sucessórios e conflitiva em questões específicas defendidas pela revista contra as posições do regime militar, pois as relações entre a imprensa e os militares não obedeceram um padrão linear e moldavam-se de acordo com os acontecimentos políticos e econômicos. Além disso, observamos a coerência de Veja diante do desejo de redemocratização do país. Desta maneira, desde o início de sua existência, a revista sempre defendeu a volta das instituições democráticas, mesmo que de forma conservadora, ou seja, realizada por meio dos governos militares. E, com a vitória oposicionista, Veja celebrou o fim do regime militar .
 
 
 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 

CHINEM, Rivaldo. Imprensa alternativa - jornalismo de oposição e inovação. São Paulo, Ática, 1995.

DIMENSTEIN, Gilberto. As armadilhas do poder - bastidores da imprensa. São Paulo, Summus Editorial, 1990.

DUARTE, Celina R. "Imprensa e redemocratização no Brasil", in: Dados - Revista de Ciências Sociais, 26(2): 181-195, 1983.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários - nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo, Scritta Editorial, 1991.

MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna - a dinâmica militar das crises políticas na ditadura (1964-69). São Carlos, Editora da UFSCar, 1996.

PORTELLA, Jayme. A Revolução e o governo Costa e Silva. Rio de Janeiro, Guavira Editores Ltda, 1979.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989.

SOUZA, Ulysses Alves de. "A História Secreta de Veja". in: Imprensa, São Paulo, setembro de 1988.
 
 


 
 

1. Este artigo foi escrito por Juliana Gazzotti, atualmente é professora da Faculdade Barão de Mauá em Ribeirão Preto (São Paulo-Brasil). Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, defendeu a dissertação de mestrado sobre as relações entre imprensa e ditadura militar no Brasil (1968-85).

2. Rivaldo Chinem, Imprensa alternativa - Jornalismo de oposição e inovação, São Paulo, Editora Ática, 1995, p.11.

3. Bernardo Kucinski, Jornalistas e revolucionários - nos tempos da imprensa alternativa, São Paulo, Scritta Editorial, 1991, p. XVI.

4. O AI-12 foi promulgado em 29/08/69 e elaborado pelo advogado Carlos Medeiros. "Pelo novo ato de força, os ministros militares eram autorizados a substituir temporariamente o presidente." Thomas Skidmore, Brasil: de Castelo a Tancredo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, p.196.

5. Quando ocorreu a polarização entre o general Albuquerque e Lima e o general Médici, a revista noticiou as eleições secretas realizadas pelos oficiais do Exército. A revista manteve-se pretensamente neutra e isso ocorria, segundo o jornalista, Raimundo Pereira, porque era uma maneira de a revista ter acesso às informações, "o preço que ela pagou para ter os militares como fonte." Depoimento dado à autora em 11/07/98.

6. Ulysses Alves de Souza, "A História Secreta de Veja.", in: Imprensa, São Paulo, setembro de 1988, p. 96.

7. Depoimento dado à autora em 05/08/98.

8. Idem.

9. Ulysses Alves de Souza, op.cit., p.96.

10. Raimundo Pereira, in: Imprensa, São Paulo, novembro de 1988, p.4.

11. O jornalista Raimundo Pereira afirmou: "não me parece que a revista Veja tenha apostado em Médici. Ela tentou, de início, apresentá-lo como um homem da abertura." Depoimento à autora.

12. O repórter Marcos Sá Correa, que na época trabalhava na sucursal de Veja no Rio de Janeiro, contou: "nessa capa sobre tortura me foi dada uma recomendação de entrevistar o pessoal do HCE (Hospital Central do Exército) porque se sabia e, engraçado, era uma informação verdadeira, uma informação que vinte anos depois foi confirmada, que militares do HCE tinham se recusado a assinar um laudo que atribuísse a morte, com evidentes sinais de tortura, como se estivesse participado de um tiroteio. Mas na época você sabia apenas um cochicho. Eu fui mandado para lá, passei dias na porta do HCE e evidentemente sem o menor sucesso, eu não consegui falar com ninguém. Diante desse fracasso, para eu não voltar, depois de um plantão inútil e longo, de mãos abanando, eu tive uma dica de um policial, que eu conhecia por acaso de outras matérias, que eu poderia ir ao cartório e tirar o registro para o atestado de óbito. Fui ao cartório, expliquei meu caso estupidamente no balcão e o sujeito saiu pra fazer uma consulta e não voltou com a resposta nunca. Enquanto ele não voltava com a resposta, eu vi outras pessoas chegando e pedindo outros atestados de óbito. Aí eu pedi normalmente. Então, eu quero um atestado de óbito nesse nome. E esse atestado tinha as primeiras evidências, depois levamos para um legista, para um médico e tal, quer dizer, com o atestado você já provava que ele tinha contusões, não perfurações, era sinal de pancada. Essa foi a primeira vez que eu me senti fazendo uma coisa que tinha começo e fim. Mas a origem disso era uma pauta que eu tinha que conversar, fazer uma entrevistinha com o médico, o diretor do HCE." Depoimento dado à autora em 09/09/98.

13. Depoimento citado. O episódio mencionado pelo jornalista refere-se ao artigo escrito por Raimundo Pereira criticando o PND proposto pelo então ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Veloso. O ministro exigiu uma carta-resposta e a revista aceitou. Além disso, Bernardo Kucinski contou: "posteriormente houve um inquérito policial conduzido pelo Fleury porque descobriram entre os papéis do Marighella o dossiê sobre torturas que nós tínhamos produzido na Veja, nós produzimos um dossiê para entregar para o presidente. Esse mesmo dossiê que nós íamos entregar para o presidente descobriram entre os papéis do Marighella e aí o Fleury passou a suspeitar de que havia um elo entre a ALN e a equipe de Veja, algum elo poderia haver, como que aquele documento chegou nas mãos dele? Agora, ele podia ter chegado também via DEDOC, o Arquivo da Veja, e foi o que a gente disse lá." Depoimento citado.

14. Depoimento citado.

15. Celina R. Duarte, "Imprensa e redemocratização no Brasil", in: Dados - Revista de Ciências Sociais, 26(2): 181-195, 1983, p.189. Em relação à revista Veja, Bernardo Kucinski afirmou: "havia informações concretas de que ele (o general Geisel) tinha um projeto de abertura e aí muitos jornalistas se engajaram nisso, nós não, mas a turma do Mino Carta entrou, a turma do (Élio) Gáspari entrou, aí sim. Inclusive a abertura passou pelos jornalistas: primeiro precisou abrir a imprensa." Depoimento citado.

16. No dia 05/07/73 (vol. 252), o semanário anunciou que o general Adalberto Pereira dos Santos seria indicado para vice-presidente ao lado de Geisel.

17. Depoimento dado à autora em 07/08/98.

18. Depoimento dado à autora em 09/09/98.

19. Segundo Mino Carta, a relação de Veja com o MDB era muito boa, mas ele considerou o partido uma agremiação muito grande e classificou: "Tancredo Neves era um conservador, também o Montoro e Ulysses eram conservadores, mas iluminados, com uma abertura maior, enfim, se dependesse deles, teríamos eleições diretas em 84. O Tancredo não queria." Depoimento dado à autora em 07/08/98.

20. Celina Rabello Duarte, op. cit., p. 187.

21. Ver como exemplo, Thomas Skidmore, op.cit., p.479 e Gilberto Dimenstein, As armadilhas do poder - bastidores da imprensa. São Paulo, Summus Editorial, 1990., p.58-59.